Logística e desperdício de alimentos diante das mudanças climáticas

Liderado pela engenheira agrônoma Andréa Oliveira, o Laboratório de Pesquisa em Logística e Comercialização Agroindustrial (Logicom), da Unicamp, desenvolveu um indicador que busca demonstrar que problemas como a logística e o desperdício de alimentos ultrapassam ideologias e fronteiras do conhecimento. Com essa visão interdisciplinar, esses temas vêm sendo encarados há seis anos pelos pesquisadores do Laboratório vinculado à Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade de Campinas.

professora da Feagri e coordenadora do Logicom, a própria Andréa simboliza essa transversalidade, sendo mestre em Engenharia Elétrica e doutora em Economia. “O indicador é resultado de um projeto de pesquisa que teve apoio financeiro do CNPq, no qual estudamos 15 Ceasas de todas as regiões do país”, diz, informando que ele reúne as dimensões: gestão, logística, comércio, operacional e tecnológica, além de varáveis associadas ao desperdício de alimentos. “Vai desde a embalagem, transporte, controle de qualidade, câmara fria e manipulação até fatores como o acesso a rodovias, reclassificação do produto e do acompanhamento do preço das frutas e verduras”, descreve.

Entendo que esse é o papel estratégico das engenharias, visão sistêmica e interdisciplinar para tratar de problemas reais. 

Prof. Andréa Oliveira, coordenadora do Logicom-Unicamp

Segundo ela, o objetivo do Logicom de analisar os desafios da logística agroindustrial hoje também envolve a maximização das cadeias produtivas, a gestão de fluxos logísticos, o impacto das mudanças climáticas nas operações logísticas e nos processos de comercialização agroindustrial e ainda a promoção de cadeias agroindustriais sustentáveis com foco, justamente, na redução de perdas e desperdícios de alimentos. Para isso, utiliza tecnologias emergentes e práticas inovadoras que auxiliam na avaliação de impactos socioambientais na produção de commodities e alimentos.

Andréa coordena ou orienta atualmente 11 projetos, dissertações e teses, desenvolvidos em parceria com o Laboratório, projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com projetos de pesquisa em andamento como “Implicações das mudanças climáticas no sistema logístico do Arco Norte” e “A busca da sustentabilidade e a mitigação do desperdício nas cadeias agroalimentares” e até trabalhos de mestrado e doutorado, como “Impactos da expansão agrícola e da logística de distribuição da soja a busca de sistema sustentáveis”, a engenheira agrônoma nos apresenta, a seguir, a importância de encarar as medidas estruturais e emergenciais para os setores como políticas de Estado, colocando a realização da COP 30 (Conferência das Partes da ONU sobre a Mudança do Clima, em Belém-PA) como uma oportunidade para discutir essas iniciativas.

Confea – Quais são as principais contribuições do Logicom para reduzir os impactos desfavoráveis na economia agrícola do país? Sua atuação transversal, interdisciplinar comprova o papel estratégico das engenharias?

Eng. agr. Andréa Oliveira – O Logicom está na vanguarda dos estudos sobre a logística e comercialização agroindustrial. Atualmente, atuamos em frentes como: i. a antecipação de riscos para as cadeias agroindustriais com destaque para mudanças climáticas, interferências nos preços do transporte, rupturas de infraestrutura (transporte e armazenagem) e guerras tarifárias. ii ganhos imediatos de eficiência na cadeia de abastecimento de alimentos, com foco na mitigação do desperdício e boas práticas logísticas. De um lado, transformamos cenários climáticos em planejamento logístico territorial (modelando a expansão da produção agrícola, identificando municípios mais vulneráveis e priorizando corredores logísticos e polos de armazenagem no Arco Norte). Isso orienta investimento público-privado, reduz gargalos e custos sistêmicos. De outro, mensuramos “o que funciona” para cortar desperdício em frutas e vegetais nas Centrais Atacadistas de alimentos, criando um indicador de desperdício e maneiras de corrigir as limitações e aumentar a eficiência. Para que tudo isso de fato ocorra é preciso uma visão sistêmica das cadeias agroindustriais, nossa atuação transversal, e esta é a minha visão de agricultura hoje. Não é possível propor soluções para os desafios da agricultura sem entender como as diferentes cadeias se conectam a montante e a jusante. Isso está relacionado, claro, com o entendimento da logística nas engenharias, e a minha formação desde sempre multidisciplinar. E assim, entendo que esse é o papel estratégico das engenharias, visão sistêmica e interdisciplinar para tratar de problemas reais.

Confea – Como a senhora percebe a questão da produção e de transporte de alimentos, diante do cenário de mudanças climáticas que vimos enfrentando?

 

Projeto tem a coordenação da engenheira agrônoma Andréa Oliveira, profissional com formação interdisiplinar que defende a compreensão sistêmica das cadeias agroindustriais

Projeto tem a coordenação da engenheira agrônoma Andréa Oliveira, profissional com formação interdisciplinar que defende a compreensão sistêmica das cadeias agroindustriais



Eng. agr. Andréa Oliveira – As mudanças climáticas são uma realidade. No Logicom, estamos avaliando estas mudanças não só na produção de grãos, mas também na citricultura. E claro, algo que não havia sido feito antes, e temos o pioneirismo, na rede logística e na produção de alimentos frescos (frutas e vegetais). Estamos vendo a reconfiguração geográfica da produção e maior exposição da logística a extremos climáticos. Eventos como chuvas intensas e ondas de calor interrompem estradas, ferrovias e armazenagem, pressionando custos e estoques; a própria geografia dos polos de produção tende a migrar ao longo do tempo. Essas tendências estão descritas no IPCC e aparecem de forma concreta em nossos mapas de aptidão/vulnerabilidade no Arco Norte.
 

Confea – Quais as expectativas de que o país se prepare para enfrentar este cenário nos próximos anos?

Eng. agr. Andréa Oliveira – Esperamos que a COP-30 chame a atenção dos tomadores de decisão e gestores públicos. O nosso projeto de “Implicações das mudanças climáticas no sistema logístico do Arco Norte”, por exemplo, passou a compor o site especial criado pela Fapesp em parceria com a Fundação Conrado Wessel. O portal reúne pesquisas e projetos apoiados pela Fapesp e pela Fundação que ampliam o conhecimento sobre o clima e ajudam a enfrentar os desafios do aquecimento global e das mudanças climáticas. O projeto fica em destaque no site, o que amplia ainda mais a sua evidência e impacto (https://cop30.fapesp.br/). O país tem instrumentos para se preparar melhor. O PNL 2035 estabelece corredores prioritários e integração modal; quando alinhado a evidências locais (como nossos índices municipais de vulnerabilidade), aumenta a eficácia de investimentos em ferrovia, hidrovia e armazenagem. Atentos a isso, já começamos a conduzir um projeto para avaliar a ferrovia Transcontinental que conectará o Brasil ao Oceano Pacífico, no Peru.
 

Eventos como chuvas intensas e ondas de calor interrompem estradas, ferrovias e armazenagem, pressionando custos e estoques; a própria geografia dos polos de produção tende a migrar ao longo do tempo. Essas tendências estão descritas no IPCC e aparecem de forma concreta em nossos mapas de aptidão/vulnerabilidade no Arco Norte.

 

Confea – Quais devem ser as principais linhas de ação para contribuir com estratégias para conduzir essas problemáticas da logística e do desperdício de alimentos?
 

Eng. agr. Andréa Oliveira – Armazenagem perto da produção: priorizar hubs em municípios críticos; reduz fila, custo e perdas. (Evidências do índice municipal e das variáveis mais explicativas do modelo); intermodalidade e corredores estruturantes: acelerar trechos ferroviários/hidroviários validados no PNL 2035 e nos cenários (EF-170/Ferrogrão, EF-334/FIOL, Ferronorte, Ferrovia Transcontinental); expansão da fronteira agrícola e demandas específicas e manutenção do bioma amazônico. Destaque para o Matopiba, Arco Norte e SEALBA (produção de soja na região do SEALBA (Sergipe, Alagoas e Bahia); redução do desperdício na produção de frutas e vegetais para garantir a segurança alimentar da população. Fortalecimento da Cadeia do Frio, boas práticas pós-colheita e logística de transporte adequada; integração clima-logística-uso do solo: direcionar expansão para áreas já antropizadas com infraestrutura, destravando eficiência com conservação.

Confea – Os desafios logísticos do país estão sempre estiveram entre as nossas principais limitações. Podemos continuar buscando adaptar as nossas práticas e instalações ou precisamos nos voltar para mudanças mais estruturais?

Eng. agr. Andréa Oliveira – Acredito que retomar os “projetos estruturantes”, com políticas de infraestrutura logísticas em eixos intermodais. Acontece que o desmonte das políticas atuais pode acontecer em uma gestão futura e é aí que mora o perigo. Logística depende de projetos de longo prazo e investimento constante, e é preciso pensar neles como políticas de Estado, independente do politica da vez. São obras estruturantes e que impactam diversas cadeias produtivas e a vida da população, pois tudo o que consumimos é produzido e movimentado, então a logística é o que dá “valor” aos produtos, pois sem ela não conectamos o setor produtivo com quem precisa consumir. Precisamos de ambas mudanças (instalações e estruturais), além, claro, de manter “projetos estruturantes” independentes dos diferentes governos (federal, estadual e municipal). Há “quick wins” (cadeia do frio, embalagem, operação e gestão comercial) que entregam impactos em meses, especialmente nas Centrais de Abastecimento, e mudanças estruturais (ferrovias/hidrovias, capacidade de armazenagem e terminais de transbordo) que mudam a curva de custo e risco da agropecuária. Os cenários mostram que, sem estrutura, a vulnerabilidade persiste e se desloca conforme a produção migra, elevando o risco sistêmico. Por isso, priorizar corredores e hubs com base em evidência é o caminho.

Confea – E em relação ao desperdício de alimentos, especificamente, quais seriam as principais causas, como a senhora percebe seu envolvimento e de outros engenheiros agrônomos nessa questão e como a senhora acredita que possamos mitigar as perdas, estipuladas entre as maiores do mundo?

Eng. agr. Andréa Oliveira – Primeiro passo é a identificação do foco do desperdício. No Logicom, nós criamos um protocolo de identificação/monitoramento e um indicador para avaliar as práticas logísticas e de comercialização que podem reduzir o desperdício. Identificamos que o desperdício de frutas e vegetais é “multidimensional” e criamos soluções para reduzir o desperdício em cada uma dessas dimensões (logística, operacional, comercialização, gestão e tecnológica). De maneira geral, a mensagem que fica é: Planejamento com ciência reduz risco e custo; desperdícios evitáveis viram competitividade e clima exige integração (resiliência logística e ambiental).

Fonte: Confea

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